14.10.17

28. C'est la vie

Krzysztof Kieślowski - La double vie de Veronique, 1991.
Tenho costume de usar termos estrangeiros em algumas conversas. Não que eu seja fluente na língua - por exemplo, não sei latim, mas já soltei um ipsis litteris no meio de um seminário, de nervoso -, ou seja empreendedora™ que solta um startup, follow up, feedback, new car, caviar, four star daydream, think I'll buy me a football team, I'm all right, Jack, keep your hands off of my stack. Não, longe de mim. Mas às vezes a gente solta um je ne sais quoi, um c'est la vie... Porque, bem... c'est la vie...

Então usei o último termo do parágrafo anterior em uma conversa e me lembrei de Emerson Lake & Palmer, uma de minhas bandas favoritas de rock progressivo, que me lembra as trilhas sonoras de Peanuts [1] e Tom & Jerry [2] (lembrando que meus episódios favoritos são os polêmicos ilustrados por Gene Deitch), e de Inferno, do Dario Argento. O Keith Emerson é (foi) um tão excelente musicista, e com um som tão específico, que até a leiga aqui em teoria musical sabe muito bem distinguir quando o piano está sendo tocado por ele.

Enfim, esses dois parágrafos confusos só existem para introduzir a música Money, do Pink Floyd, e o que vem a seguir. Estou tentando montar meu 30 day music challenge, e hoje respondo o dia:

28. a song by an artist with a voice that you love (uma música por um artista com uma voz que você ama)

Greg Lake. Poderia ser Ian Gillan, mas... Greg Lake. Ele é o L de ELP, o Lake de Emerson Lake & Palmer. E o segundo dos que se foram (só Carl Palmer, o baterista, está vivo).

Obviamente a música não poderia ser outra:

Like the sea
There's a love to deep to show
Took a storm before my love
Flowed for you
C'est la vie
E, para comprovar o que estou dizendo, caso a estrofe acima não tenha tocado o seu cuoração, tem também essa abaixo. Porque Greg foi o primeiro vocalista (e baixista, isso é muito importante) da banda King Crimson, mais conhecida por ter um cangaceiro na capa (mentira, é um Coringa, mas não custa nada sonhar) de um de seus discos e/ou por ter zero discos disponibilizados no youtube porque o Robert Fripp não colabora. Então, como o Fripp não colabora, admiráveis fãs isolaram a voz de Greg na música Epitaph, do primeiro disco, In the court of the crimson king, de 1969, que é, inclusive, um dos meus dez discos favoritos de toda a vida, e um dos classicões do famigerado prog.

Knowledge is a deadly friend
If no one sets the rules
The fate of all mankind I see
Is in the hands of fools
[Edit] 25 jul. 2019 - para explicar o que sinto por essa música - C'est la vie -, soltei um "eu ouço essa música e me sinto um maestro, preciso mexer os braços como se as artérias fossem fugir do peito por eles". 

* Já postei o dia 01 do desafio.
[1]. A Charlie Brown christmas, de 1965, tem música composta pelo pianista de jazz Vincent Guaraldi.
[2]. Saturday evening puss, de 1950, é um episódio dirigido e escrito por Hanna-Barbera, e a música composta pelo pianista Scott Bradley.

1.10.17

Bright and dark sides

Gustave Caillebotte - Rue de Paris, temps de pluie, 1877
Me baseei nesse texto da Gabriela para criar uma lista de coisas gostosas que animam meus dias. Porque há dias tão intensamente tempestuosos que simplesmente nublam qualquer possibilidade de boa atividade, me fazendo não enxergar alternativas e fazendo chover em minha cabeça. Não vou elencar tudo, infelizmente. Mas, para me lembrar melhor dos momentos, é bom pensar em rotina, em horários. Eis aqui meu lado brilhante da vida:


Gosto de me espreguiçar pelas manhãs, antes de levantar da cama. Parece que antes disso sou uma pilha de ossos desmontados. (Vocês - pelo amor de Deus - já assistiram Funny Bones?)


Sou apaixonada por rostos que acabaram de acordar, inclusive o meu. Uma pessoa que acabou de acordar, com o cabelo assanhado, a cara de "onde estou, quem sou eu, o que está acontecendo?", as olheiras vermelhas (eu adoro olheiras, sabe; e ainda bem, porque nasci com elas), a voz rouca, a preguiça, a desorientação e, no meu caso, o silêncio. Não interessa se estou de bom ou mau humor, eu de manhã falo muito, muito pouco, quase nada.

Cafuné!

Café!

Ir para lugares ouvindo música e prestando atenção na paisagem. Quando é um caminho que gosto muito e a distância se mede temporalmente em mais de uma hora, com certeza estarei ouvindo o disco Live at Pompeii, do Pink Floyd. Também adoro ligar o som e dar um cochilo, dependendo do horário, e se estou sentada no ônibus.

Dar bom dia a desconhecidos. Sorrir para eles, sabendo que essa é a única vez na vida que nos encontramos, provavelmente, e cordialmente trocamos coisas boas num gesto simples, rápido e indolor. Quando acontece de nos revermos, de nos reconhecermos, é melhor ainda. É uma amizade sem nome e sem compromisso nenhum.

Andar e observar - de novo - a paisagem. A arquitetura das casas, o modo de viver dos bairros, sentir o vento e ouvir os passos. Dar oi pro gato naquela garagem, sentir medo do gnomo daquele jardim, fotografar aquela flor e querer saber a cor da tinta daquela parede. Tenho o costume, desde sempre, de observar casas e apartamentos, fragmentos internos, e imaginar toda uma vida. O que o marido está assistindo, o que a mulher está fazendo, os gostos dos filhos, os empregos, preocupações e motivações de vida de cada um (como pessimista e intolerante a padrões que lê Buk e Dosto e ouve Raulzito, eu acho essa rotina toda um saco - mas esse jogo de adivinhação é uma delícia).

Bares. Não botecos-boutiques da Vila Madalena (Vila Madá para os paulistânos, mêo), mas os bares verdadeiros, com caixas de cerveja empilhadas, prateleiras tortas e garrafas diversas com conteúdos também diversos e às vezes sem rótulo, um balcão, o dono e um freguês, uma televisão com futebol, noticiário ou uma conversa. Um comentário. E, neste momento, meus amigos, que se exploda o politicamente correto. A simplicidade, crueza e ebriedade de um bar para mim é a mais pura poesia e humanidade. Mesmo que... não, não interessa o assunto e a opinião.

Atravessei a rua, entrei numa bodega.
- Faz o obséquio de me dar um pouco de aguardente?
O homem da venda trouxe a garrafa, pôs-se a despejá-la num copo sujo.
Como eu não o interrompesse, derramou a bebida com sovinice.
- Quer que encha?
- Vá botando.
- Ah! bom. É o que se leva deste mundo, opinou entregando-me o copo cheio.
Sentei-me e comecei a beber, olhando a casa fronteira, o pensamento espalhado.


Aquele momento que fico tão completamente empolgada que gaguejo, balanço os braços, digo as coisas todas na ordem errada e quem me ouve dá risadinhas. O mesmo quando eu sou a ouvinte. Tipo cena de insight de filme de mistérios e aventura, onde dois personagens perambulam pela sala com cara de interrogação, simultaneamente lhes aparece a exclamação e, por algum motivo, possuem uma fala sincronizada de eureka tão ou menos inexplicável que um musical com toda a cidade desconhecida entre si dançando e cantando do mesmo jeito. Amo (só não amo musicais). (p.s.: os vídeos a seguir possuem spoilers)


Minha linha de pensamento é idêntica a do Todd e kkkkk adoro esses filmes bestas do Nick Cage

Café novamente! Mas não o simples ato de bebê-lo. É esperar um dia inteiro pelo café da tarde e ter o prazer de ouvir a água quente jorrando por cima do pó, fazendo subir um aroma indescritível de paz. Café com mamãe e biscoitos da casa do norte, café sozinha com anotações em minha caderneta e suspiros apaixonados ou preocupados, café na pausa do trabalho com causos e uma boa prosa, café para aguentar as próximas oito horas, para me inspirar, me motivar, lembrar que a vida não é só problemas. Café.

fonte. russa, é claro
Cheirar gatinhos. ... Literalmente: pegar as gatas aqui de casa e dar um chêro e fazer carinho até ronronarem e ficarem doidas se esfregando, abraçando, lambendo, arranhando, dando chutes e correndo para se esconder e pular na minha perna, brincando. Carinho gatos a qualquer hora e em qualquer lugar. Queria ter essa habilidade de brincar com cachorros, tadinhos. Tenho duas e não dou a atenção merecida (... voltemos à parte boa).

Comer salada de frutas. Mas pelo amor de Deus, sem leite condensado, isso é criminoso. Salada de frutas é com frutas e o único líquido deve vir da maior fruta de todas, que é o suco de laranja. E só. Amo muitas comidas mas essa é aquela que a gente ama tanto que esquece de mastigar direito e quase se engasga e quer enfiar na cara (talvez eu seja uma comedora aflita, não façam isso em casa).

Dormir ao som da chuva, ventania, sapos, grilos, ou cães latindo ao longe. Dormir de cansaço e nem sonhar (eu sonho muito, não aguento mais).

E a mais novíssima melhor sensação de todas do momento: ir dormir com essa trilha sonora, in a specific way. Is such a heavenly way to sleep.
© um velho mundo
Tema base por Maira Gall, editado por Helen Araújo